Homem com H: uma carta de amor para Ney Matogrosso
Sempre quando surge uma produção de cinebiografia, o receio se a persona escolhida tem uma história interessante ao ponto de ter um filme dedicado a sua vida também se estabelece. Mas por sorte, os brasileiros têm ídolos com trajetórias ricas o suficiente para serem exploradas em uma tela de cinema. Nesse caso, Homem com H nos prova o que já imaginávamos: Ney Matogrosso é gigante demais para caber em duas horas de um longa-metragem.
Quando falamos sobre música brasileira, o nome de Ney Matogrosso sempre será lembrado, não só pelas canções que marcaram gerações, mas por sua coragem de ser livre mesmo com todos os obstáculos que a vida lhe trouxe.
Desde pequeno era reprimido em âmbito familiar pelo seu pai e, após sair de casa, sofreu diversas censuras dentro de relacionamentos, pela indústria musical e pelo próprio sistema ditatorial em que vivia na época. Porém, Ney nunca se deixou ser calado e isso só o engrandeceu como pessoa e, principalmente, como artista.
Homem com H mostra como Ney Matogrosso é um performista nato

Durante toda sua vida, Ney sempre demonstrou ser um artista completo. Desde sua voz angelical até seus figurinos extraordinários; tudo era feito pelas suas mãos. Com toda sua autenticidade, o cantor construiu sua marca e destacou-se justamente por não temer ser tão diferente do padrão.
E todos sabem do seu potencial. Não é à toa que opiniões negativas foram revertidas, Secos e Molhados nunca mais foi o mesmo e Cazuza pediu para que Ney dirigisse seu último show em vida. A verdade é que, assim como esses personagens, o público também percebe que ainda não existiu nenhum artista que tenha a mente tão brilhante como o do protagonista de Homem com H.
Jesuíta Barbosa: a escolha certeira para Homem com H

Sabendo do tamanho de sua genialidade, a produção precisava encontrar alguém que topasse entrar em total imersão com a persona, chegando a escolha certeira: Jesuíta Barbosa (Pantanal e Serra Pelada). Afinal, se todos nós somos bichos, o ator com certeza é o selvagem Ney Matogrosso.
Em tela, você desvincula Barbosa completamente de sua personalidade e passa a enxergar apenas o Ney. A verdade é que nem parece que o ator está performando de tão completo que foi seu laboratório. Desde o conforto da postura como uma cobra até o olhar penetrante, Barbosa conquista o público com seu papel e só nos mostra como é uma delícia nos aproximarmos de um ídolo tão potente.
É também interessante a escolha do diretor e roteirista Esmir Filho (Alguma Coisa Assim) em vincular a figura de Ney com a natureza, como algo beirando o sobrenatural. Ao longo da obra, podemos perceber que a afirmação do cantor em ser um bicho não é exagerada. A sua decisão clara de viver pelo instinto é uma das suas maiores forças que o levaram a ser quem é hoje e, claramente, isso deu total liberdade artística para que Barbosa conseguisse entregar um papel mais intenso.
O impactante cenário social da década de 80

É impossível passar pelos anos 1980 e não citar a epidemia da AIDS que alastrava o Brasil. No caso da história de Ney, ele acompanhou de perto a doença com Cazuza (Jullio Reis) e seu companheiro por 13 anos, Marco de Maria (Bruno Montaleone). Filho aprofunda a temática, ressaltando o medo de quanto tempo de vida as vítimas tinham e a dor de perder pessoas próximas por uma doença tão desconhecida.
Essas inseguranças são bem representadas em um diálogo entre Ney e Marco, quando o cantor descobre que seu exame deu negativo. Enquanto um personagem está apavorado pela incerteza do seu futuro, o outro sente o peso de culpa por ser um dos poucos que não foi contaminado. A conversa cresce em tensão para o público quando a frase “eles querem colocar a culpa em nós, mas a culpa não é nossa” é citada por Barbosa em lágrimas.
Além disso, há uma linda homenagem para os últimos anos de Marco em vida. As últimas cenas dos dois juntos são embaladas com a música ‘’Encanto”, demonstrando que seus momentos eram repletos de amor e serenidade.
Homem com H quer contar muita história em poucas horas

Geralmente, cinebiografia é apenas um recorte da vida de uma pessoa, porque não é possível caber uma vida inteira em um longa. Porém, a jornada de Ney tem tantos destaques que, talvez, Filho tenha tido dificuldades de saber manter o essencial.
Ao decidir colocar a história de Ney desde a infância, a produção construiu um ritmo bastante corrido no início. Tem momentos que são até fáceis de você confundir se houve ou não uma passagem de tempo. Isso só melhora a partir da metade do segundo ato, quando a carreira de Ney já está alavancando e os anos começam a passar de maneira mais lenta.
Porém, esse incômodo é pequeno demais para a beleza de testemunhar a jornada de grande artista. Homem com H é um filme que merece ser visto por todos os brasileiros que querem ter uma aula de persistência e autenticidade. Como a própria obra diz: obrigada por ousar em ser livre, Ney.
Homem com H estreia em 1º de maio nos cinemas. Assista ao trailer:
Ótimo texto!!! Ansiosa para conferir no cinema 😍😍
O cinema brasileiro é vivo!